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Rodrigo Gerstner

Foto do escritor: Estado PoéticoEstado Poético

Atualizado: 17 de dez. de 2020

Rio de Janeiro - RJ

Rodrigo Gerstner (Rio de Janeiro, 1976) é artista cênico profissional desde 1997 e professor licenciado em teatro desde 2004. Em 2013, lançou seu primeiro livro Inventário do Ócio (link para download gratuito da 1ª edição no final da página). Sol de Outono está no prelo, com lançamento pós-pandemia, ainda sem data definida. Participará da FLIP 2020 com o coletivo "Se tens um dom, seja!". É idealizador e gestor do coletivo de autores ESTADO POÉTICO.



 

CETTE DANSE

(para Renato Vieira)

O que meus olhos veem,

meus pés dançam.

Trago pupilas em meu coração.

O que é mau, não vejo

sei que existe, mas nem

quero saber

e beijo o bem

que me move,

não só com lábios,

mas com todos os sentidos

despertos.

Eu danço para estar junto,

estar perto

de tudo aquilo que amo,

de tudo isto que sou.

Dancemos

não para esquecer, mas celebrar o risco

e lembrar que somos

este corpo, este tempo, este grito

sussurrado entre zilhões de estrelas.

Dancemos para celebrar o pó

e sacudir o pó

e relembrar quão sós

estamos entre zilhões de estrelas.

Dancemos para sermos

pois somos enquanto há dança!




PERTO DO QUE SOU


escrito para o espetáculo Malditos, da Renato Vieira Cia. de Dança


Sou como um corcel em carne viva,

corro para não sentir queimar o meu fulgor.

Tenho pernas que trotam para longe

porque é longe onde me encontro perto do que sou.

Maldito pelas bocas de muitos,

não as que beijei

nem as que comigo conversaram,

mas por todas que proferem maldades,

por aqueles que preferem insultar e ranger os dentes.

Maldito por quem cospe veneno

e não me aceita, não me engole.

Fico atravessado nas gargantas e nas ruas,

habitante das sarjetas e periferias,

convivo com os imundos, impuros, renegados.

É com eles que me afirmo e não lamento,

é deles a voz que dá alento

e sentido ao meu canto belo

e sofrido,

à minha dança leve

e dolorida.

Convoco agora a escória reluzente

em seus talentos e brios,

os vagabundos, as prostitutas,

viados, putas e seus filhos,

os favelados e os indigentes,

quem for canhoto, comigo venha

neste movimento.

Malditos e humanos somos.

Bendita gente.




SALVE


Salve-me daquilo que temo,

não do que desconheço,

mas da ignorância.

Não me salve da dor,

salve-me do sofrimento.

Salve-me do trágico e do épico.

Da Ilíada,

da Odisseia.

Salve-me de Dido,

salve-me de Eneias,

salve-me de Ésquilo, Homero, Virgílio.

Só não me salve de Camões.

Salve-me da peripécia

(seja latina, seja da Grécia),

da hamartia e do destino,

mas não me salve (nunca)

de minhas próprias mãos.

Salve-me dos mistérios

entre o céu e a terra.

Salve o meu verso pardo,

salve o meu choro,

salve o meu brado,

salve-me da inveja do Bardo,

e não salve a rainha da Inglaterra.

Salve-me do naufrágio

no mar das certezas,

da solidão da arrogância,

da inação.

Salve-me do que penso.

Salve-me do hermetismo,

da pompa, da verborragia.

Salve-me do eclipse,

da tangente, do seno

e de todo ceno da comunicação.

Da elipse

me salve

da zeugma

do pleonasmo

do hipérbato me salve

da anástrofe

de que tudo que é prolepse

assíndeto

sínquise

silepse

e principalmente chavão.

Salve-me da gramática

e do manual de redação.

Salve-me do certo e do errado,

da crítica e da condenação.

Porque hoje é o dia.

E só hoje.

Sem quaresma,

sem cinzas,

sem folia.

É no hoje que nasço,

que vivo, que morro.

É no hoje que acordo,

que soo

que desperto.

Neste dia que ouso

de tão longe chegar perto.

Salve-me do passado,

salve-me do futuro,

salve-me dos anos e das horas.

Salve-me do tempo.

Salve o agora!




ETERNO RETORNO

Há atividade no deserto

sob a areia que torra e esfola.

Há felicidade no exílio,

à sombra do desterro.

Há cumplicidade no ostracismo

– voluntário que seja.

Há medo no aconchego

e tristeza no banquete,

um desejo pela morte,

e alívio na desgraça alheia.

Há até má fé no dó

e prazer na dor

e gozo no estar só,

e pode haver mal no bem que concebemos.

Mas não existe a menor possibilidade

de voltar no tempo

nem desfazer um rumo

sem o percorrer de novo

com outro sentido.

O eterno retorno

ronda à espreita.

Vamos chamá-lo,

tenha certeza.

Vamos desejar

nosso bem ou nosso mal,

você sabe.

Será nossa dor.

Porque a dor é da vida,

amigos,

mas o sofrimento é opção.

Nas certezas da vida

há sempre um senão.

E o sentido da vida existe:

ela só corre numa mão.

Em frente, em frente.

Sempre.




O TEMPO QUE FOR

Descobri alegria.

Alívio por saber que havia,

oculta que fosse.

Do fosso da alma uma brecha

improvável rasgou

e de lá

da lama imunda

o mundo se mostrou outro.

Belo que seja.

E, sujas, as mãos escavaram pedras

negras de limo

– as unhas rotas como cascos.

A nesga de luz invade a treva,

em desvantagem a vence.

E vê-se a vida com os olhos

de retinas virgens: o verde,

o azul primário e o profundo,

a terra.

E o ar rebenta fresco no peito.

Respira-se!

Véus já não há. Vejo. Ouço. Sinto.

Certezas não tenho.

Sincero comigo digo:

“Espera, Rodrigo. Confia.

Ser apressado dissipa

essa brisa pueril.”

Difícil arte esta: crer

apesar das lembranças.

Mas, alegre por enquanto,

aguardo o tempo que for

pela boca em flor

desabrochando um beijo.

O teu.




BREVIDADE


O eu infalível

fora do limite,

o eu que não existe,

eu impossível.

Não vou dar valor à falta.

Tenho um corpo, veja.

Toque-me: é disso que sou feito.

Este volume, este peso, esta pele.

Eis-me.

Nem mais, nem menos, o mesmo.

O que sou agora.

É sempre no agora meu tempo

– até deixar de ser.

Então no quando eu não houver,

leia esta página e lembre-se.

E rasgue o corpo dessas ideias.

Será o confete para celebrar

que agora você vive,

ainda que ainda.

Lance no ar e celebre

a vida breve.



 

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